Filme "Passageiros" e a filosofia de Allan Kardec
Filme
"Passageiros" e a filosofia de Allan Kardec
Da
direção de Rodrigo Garcia, Passageiros une a história de um
conflito existencial, que nos leva a pensar no mito de Sisifo focado
por Camus, até em um espiritualismo, que por fim faz pensar em Allan
Kardec. Filósofos atuais pensam nesse autor como Cléverson Israel
Minikovsky e também Fídias Teles. Fato é que o filme começa em um
romance interessante, de um homem que jogou vida fora em trabalho e
de uma mulher que é psicóloga, e que por surpresa ajuda
sobreviventes de desastres aéreos.
O
filme tem bom elenco e uma fotografia interessante, sem os exageros
de filme O Sexto Sentido, que tem a mesma tônica, e nem qualquer
pista que revele seu segredo. Assiste-se o filme todo e apenas no
final se descobre a natureza dos protagonistas, todos espíritos após
a morte, e que interagem de modo mundano e normal. Quando vemos as
questões de Kardec na obra O livro dos Espíritos, percebemos que o
mundo espiritual e após a morte é cheio de ocupações, bem
diferente de um mero descanso ou dissolução. Tese importante do
livro é que existe vida em mais mundos ou locais e na evolução do
espírito, através das vidas ou encarnações.
Mas
o dilema principal do filme até se saber de não estarem vivos é o
‘carpe diem’ do protagonista, e da limitação da ciência da
psicóloga em ajudar as pessoas. E o antagonista é o piloto do
avião, que antes se apresenta como um manda-chuva da empresa aérea,
tentando livrar esta da indenização, uma vez que se desejava provar
que avião teria explodido e caído, com uma falha mecânica. Por fim
ele quer sim ter a responsabilidade, e não proteger a companhia,
sendo assim compreendido. A ética espiritual parece ser uma questão
também central, além do romance, que traz o questionamento do
comportamento da ter5apeuta, a qual tem caso com esse paciente, o
acidentado passageiro.
Mas
pensando na teoria espírita, a morte pode vir e não se saber estar
morto. Assim muitos ficam perdidos e em caso de acidente grave isso
se amplifica. A evolução ou apego a matéria são fatores-chave.
Lembro aqui duas questões que achei de início, como a 305: “305.
A lembrança da existência corporal se apresenta ao Espírito,
completa e inopinadamente, após a morte?“Não; vem-lhe pouco a
pouco, qual imagem que surge gradualmente de uma névoa, à
medida que nela fixa ele a sua atenção.” E a questão
163 e 164: “163. A alma tem consciência de si mesma
imediatamente depois de deixar o corpo? “Imediatamente não é
bem o termo. A alma passa algum tempo em estado de perturbação.”
164. A perturbação que se segue à separação da alma e
do corpo é do mesmo grau e da mesma duração para todos os
Espíritos? “Não; depende da elevação de cada um. Aquele que
já está purificado, se reconhece quase imediatamente, pois
que se libertou da matéria antes que cessasse a vida do
corpo, enquanto que o homem carnal, aquele cuja consciência
ainda não está pura, guarda por muito mais tempo a impressão
da matéria.”. Nos personagens do filme se percebe esse
apego ao mundo e uma quase ausência de espiritualidade. Para tanto,
as pessoas demoram a saber que desencarnaram.
Mas
o filme tem boa ação e um certo aspecto intelectual, sendo
inteligente. A atriz é simpática e ambos são sozinhos, o que atrai
o espectador mais carente. Falar-se em teorias de psicologia é algo
que se encaixa bem, e aos poucos parecia mais uma paranormalidade dos
sobreviventes que um mero desencarne. A transição se envolveu em
mistério e outros fatores poderiam ser abordados, como avisos e
visão de espíritos antes da morte, como os relatados por Ernesto
Bozzano. Mas é um filme diferente, que não abusa de efeitos e que
leva a essa reflexão existencial e moral, e até onde nossa
sociedade pós-moderna abusa de trabalho e aproveita pouco a vida. O
personagem principal é uma crítica a esse aspecto pouco divertido
de nossa vida. Também faz refletir sobre a solidão, e sobre a
necessidade de uma nova vida que leve em conta a beleza da vida, e
seu hedonismo. Lembra-nos um pouco de Epicuro e da necessidade do
relacionamento, seja a amizade ou outro, e de uma autoanálise. Fato
é que o espiritismo vem como recheio final para colocar mais ainda o
destaque dessa bela produção, ainda que não tão valorada. Um
filme inteligente e envolvente, romântico e diferente.
Excelente explanação sobre o filme. Parabéns
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